A batida dos ferries Pinheiro e Maria Bethânia teve repercussão nacional. A Capitania dos Portos investiga o caso.
Manobras de risco em navios precários, turnos excessivos de trabalho, assédio moral e desvio de função. Essas são algumas denúncias contra a Internacional Travessias, empresa responsável pela operação do Sistema Ferry-boat. A Internacional é concessionária do Governo da Bahia.
E mais: o comandante do ferry “Pinheiro”, que bateu contra o “maria Bethânia” no Terminal de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, no último dia 6, não poderia estar no comando da embarcação pois não tinha sido contratado para isso.
Ele foi contratado como contramestre e não mestre de cabotagem, título exigido para comandar o navio Pinheiro. Ele foi admitido pela concessionária Internacional para comandar ferries menores que o Pinheiro. Na frota atual do sistema existem os navios “Ana Nery” e “Ivete Sangalo” que poderiam ser comandados por ele.
O inquérito da Marinha do Brasil aberto para investigar o acidente entre o “Pinheiro” e o “Maria Bethânia” só ficará concluído em 90 dias. Mas Uma informação constará no documento: o comandante de um dos ferries, o Pinheiro, não poderia conduzir o equipamento.
Reportagem do jornal Correio deste sábado sustenta que a colisão entre as embarcações deve escancarar as condições de trabalho impostas aos marinheiros da travessia Salvador-Itaparica. Um dia depois do acidente, o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu inquérito para apurar como eles trabalham e se há segurança no serviço.
A investigação contemplará a agressão sofrida por funcionários no terminal de Salvador, no dia 30 de janeiro. Antes disso, 11 procedimentos foram abertos pelo MPT para apurar denúncias trabalhistas. Deles, quatro estão ativos, relacionados a queixas sobre segurança e saúde do trabalho, informou o órgão.
“Ele [o comandante do Pinheiro no dia do acidente] não era nem para estar naquele barco, mas já estava trabalhando há 15 dias nele. O cara é extremamente profissional e está bem abalado”, contou um colega.
Quando o desvio de função é verificado em situações de acidente, há duas possibilidades principais de punição: a administrativa e a criminal.
A matéria do Correio diz que a mais grave modalidade do desvio de função no sistema ferryboat é “colocar gente sem a habilitação devida ou contrato de trabalho adequado para ocupar os cargos de chefe de máquina ou comandante”, resumiu um comandante, sob anonimato.
“É tipo assim: você que sabe dirigir carro, sabe dirigir uma caminhonete?”, comparou.
O desvio de função é mais frequente em feriados, quando o número de viagens cresce de 38 para 70. Nesses períodos, os turnos sem descanso são consequência.
“Comandantes dobram turnos de 48 horas sem descanso, manobram com sono, acordados à base de energético”, afirmou um deles.
O assédio moral incluiria o pedido por “manobras de risco”. Normalmente, a saída do ferry de um terminal é acompanhada da chegada de outro. Um exemplo de manobra de risco seria não esperar tempo o suficiente para começar a atracar uma embarcação mesmo diante da proximidade.
Isso aconteceria, afirmou um ex-comandante, para “tirar o atraso nas atrações, pois os ferries já são lentos” – uma travessia dura, em média 1h20. “Essa briga muitas vezes é com o comandante. Mas a gente sabe que um ‘não’ pode gerar demissões”, contou um deles.
A Internacional Travessias chegou à Bahia em 2013 para assumir um contrato emergencial com o Governo da Bahia, que tinha acabado de intervir na concessionária TWB. Quem foi buscá-la no Maranhão foram o então governador Jaques Wagner e o seu secretário de Infraestrutura (Seinfra), o médico ortopedista Otto Alencar.
Os dois hoje são senadores da República e não falam nada sobre a situação caótica do Sistema Ferry-boat. A Internacional sempre foi uma empresa ligada à família Sarney. Seu proprietário já foi sócio de Jorge Murad, na época casado com Roseane Sarney.
Em 2014, a Internacional Marítima, hoje Internacional Travessias, ganhou um contrato de 25 anos para gerir o Sistema Ferry-boat. Sem fiscalização do poder concedente, o Governo da Bahia, passou a cometer falhar sucessivas nas operações: a frota do sistema foi sucateada e hoje, de oito navios, já chegou ao ponto de só contar com dois em tráfego.
Literalmente, o sistema afundou. E o governo, sem saída, fala em “comprar” ou “alugar” embarcações no exterior para tentar melhorar a situação. O que o governador Jerônimo Rodrigues fala agora é o mesmo que Jaques Wagner fez: comprou dois navios com dinheiro público, superfaturasdos segundo denúncias da Grécia, e entregou para a Internacional. E o resultado é o que todos já conhecem.
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